06/07/2021
Fundos de Pensão: Recomendação do governo Bolsonaro é favorecer bancos
Por Antônio Bráulio de Carvalho*
Se havia alguma dúvida sobre a política de favorecimento da transferência dos recursos dos fundos de pensão aos bancos e seguradoras em curso no governo, não há mais motivos para ilusões.
Basta analisar a proposta de revisão das Leis Complementares 108 e 109 de 2001 do grupo de trabalho chamado Iniciativas de Mercado de Capitais do Ministério da Economia (IMK/ME), que está circulando entre as entidades fechadas de previdência complementar (EFPC).
A começar pela composição desse grupo, que conta com a participação do Banco Central (Bacen), da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da Secretaria de Planejamento Econômico, da Secretaria Especial da Fazenda, do Tesouro Nacional, da Superintendência de Seguros Privados (Susep), da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), de 13 associações do mercado bancário, de capitais, de seguros e previdência, incluindo a Bolsa (B3), para que se atente ao viés tendencioso desse debate.
Com a justificativa de dar provimento às alterações implementadas pela Emenda Constitucional nº 103, de 12 de novembro de 2019 (Reforma da Previdência Social), o documento amplia o escopo inicial para incluir todas as propostas demandadas pelo sistema financeiro, sob o questionável argumento de promover fomento do Sistema Fechado de Previdência Complementar.
Para isso propõe-se a propalada “harmonização das regras aplicáveis às entidades abertas e fechadas” que, em síntese, só favorece às primeiras, uma vez que a equiparação do tratamento tributário, único beneficio que se poderia listar em favor das entidades fechadas, não foi sequer apreciado.
São mudanças profundas e sensíveis na legislação de previdência complementar, que podem representar enorme retrocesso na governança e na operação dos planos previdenciários, bem como na relação dos patrocinadores públicos com as EFPC. Atentem-se às principais alterações defendidas pelo IMK/ME.
Lei Complementar n° 108/2001
– Acaba a carência de 60 contribuições para o participante se tornar elegível ao beneficio de renda, o que pode reduzir a duration dos planos de benefícios, dotando-os de elementos mais financeiros do que previdenciários;
– Restringe o caráter previdenciário dos planos de beneficio definido administrados pelas EFPC e afasta as Entidade Abertas dos principais riscos do sistema;
– Adota a possibilidade de multiplicidade de opções previdenciárias, que tende a aumentar os custos e a complexidade de gestão do assunto por parte do patrocinador, resultando no seu distanciamento do tema, como ocorre com a saúde suplementar no âmbito dos servidores públicos federais;
– Impede que as entidades fechadas administrem benefícios de risco – morte e invalidez – caracterizando reserva de mercado para as seguradoras;
– Retira do Conselho Deliberativo – que conta com a participação de representantes dos participantes e assistidos – a prerrogativa de autorizar operações de investimentos cujos valores sejam iguais ou superiores a 5% dos ativos garantidores, remetendo o assunto para a política de investimentos; e
– Os Comitês de Assessoramento de Previdência Complementar (CAPC) a serem criados pelos entes federativos que instituírem regime de previdência complementar em seus âmbitos terão composição paritária, mas replica o desequilíbrio observado nos Conselhos Deliberativos das entidades, nos quais o voto de qualidade é exercido por representante dos patrocinadores.
Lei Complementar n° 109/2001
– Inclui na Lei a prerrogativa da inscrição automática, o que pode ser questionável no âmbito dos patrocinadores privados, resultando em barreira de entrada de novos patrocinadores;
– Faculta a redução de benefícios concedidos (desde que haja anuência dos assistidos), o que gera precedente grave ao afrontar o princípio do direito adquirido;
– Desloca para o Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), ou seja, para o Poder Executivo) várias atribuições atualmente constantes da lei (Poder Legislativo), o que pode fragilizar o sistema, face à ausência do processo democrático parlamentar para regulação do segmento;
– Exclui a possibilidade de transferência de patrocínio, de grupos de participantes e de reservas (atual Art. 33), limitando-se às operações envolvendo os planos de benefícios;
– Inclui a possibilidade de liquidação judicial das EFPC, o que amplia a insegurança jurídica das relações previdenciárias (uma entidade passaria a poder ser liquidada mediante decisão judicial); e
– As responsabilidades dos patrocinadores e instituidores ficam restritas às Entidades Fechadas de Previdência Complementar, beneficiando as Entidades Abertas.
O que merece atenção especial nesta proposta é a introdução do modelo de “voucher previdenciário”. Essa figura permitiria ao participante escolher ou trocar seu plano previdenciário administrado por EFPC ou EAPC (entidade aberta), com a contribuição paritária do patrocinador público, por um valor que ele pode aplicar em qualquer plano previdenciário.
Na prática, abre ao servidor público a possibilidade de ter, a todo momento, a opção de fazer a sua contribuição para um plano previdenciário customizado em uma EFPC de natureza pública (por exemplo, Funpresp, Prevcom e PrevNordeste) ou para um PGBL no Bradesco, Itaú ou Santander, tendo o “voucher” ou contribuição paritária do órgão público patrocinador para destinação dos recursos àquela Entidade de Previdência escolhida.
Essa modalidade é praticada no mercado de saúde suplementar, porém, ali há equivalência, com lista de procedimentos, eventos e coberturas em saúde disciplinados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar.
No caso da previdência complementar é difícil imaginar como seria a padronização dos custos e benefícios oferecidos, principalmente quando se tratam de duas Agências: SUSEP, com visão de produto financeiro, e a PREVIC, com visão de produto previdenciário, com processos de licenciamento prévio diferentes e não comparáveis para os referidos planos.
O grande distanciamento dessa proposição de “voucher previdenciário” para a realidade dos planos administrados pelas entidades abertas e fechadas está na qualidade dos benefícios oferecidos e nos custos de administração e seus impactos sobre a formação de reserva previdenciária na conta individual de capitalização dos participantes.
Considerando que as EAPC têm finalidade lucrativa, em contraposição às EFPC, sem fins lucrativos, é matematicamente impossível chegar a um mesmo resultado que contemple os objetivos dos dois segmentos.
Um ponto percentual de taxa de administração pode-se reduzir em até 30% do montante da reserva, admitindo-se um tempo de contribuição de 30 anos de permanência em um plano de benefícios. E não nos parece razoável imaginar que os bancos estejam dispostos a abrir mão dessa margem de lucro e nem se pode admitir que os fundos de pensão mudem a finalidade para apropriar-se dessa fatia do direito do participante.
Por fim, fica o registro que, em nossa opinião, os ajustes a serem promovidos na legislação de regência deveriam limitar-se ao atendimento do comando constante da Emenda Constitucional n° 103/2019, uma vez que há prazo para regulamentação do citado dispositivo constitucional – novembro/2021. Todas e quaisquer outras alterações poderá ser objeto de ampla e profunda discussão, com participação dos diversos segmentos representativos da sociedade civil, e tratados em momento adequado, que certamente não é agora.
*Antônio Bráulio de Carvalho é presidente da Associação Nacional dos Participantes de Previdência Complementar e de Autogestão em Saúde (Anapar)
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