03/12/2020

PIX: é preciso que o trabalhador se beneficie; não apenas as instituições financeiras


 

Por Ivone Silva *

O Sistema Financeiro brasileiro vem passando por profundas transformações vindas de múltiplos eixos: movimentos da política econômica do país, inovações tecnológicas, fusões e aquisições, transformações na legislação trabalhista, novas regulamentações do Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários, novos participantes no mercado, pressões de movimentos de capitais externos e assim por diante. Estas transformações são uma constante na história de nosso sistema financeiro (pelo menos desde os anos 1960) e se tornaram muito intensas na década de 1990 quando o ideário neoliberal invade o Brasil com abertura comercial e financeira, privatizações, concentração de capitais e reestruturação produtiva. Essa longa marcha de mudanças se acelera a partir do biênio 2012/2013 quando se intensifica a digitalização dos bancos a partir da aplicação de inovações tecnológicas inseridas no que se chama de 4ª Revolução Industrial somada as flexibilizações trazidas pela Reforma Trabalhista de 2017. A implantação do PIX no Brasil a partir de novembro de 2020 deve ser compreendida como mais um capítulo dentro deste amplo quadro de mudanças, assim como o Open Banking a ser implementado em 2021.

O PIX é o meio de pagamento instantâneo brasileiro, criado e implementado pelo Banco Central do Brasil e que inicialmente surge como uma alternativa para a realização de pagamentos e transferências bancárias diversas. O ambiente de inovações tecnológicas possibilitou sua implementação e traz algumas promessas de maior facilidade e custos mais baixos aos usuários do sistema financeiro. As operações no PIX poderão ser realizadas 24 horas por dia e 7 dias por semana e os recursos estarão disponíveis na conta recebedora em questão de apenas alguns segundos. Além disso, para realizar uma transação no PIX é preciso inserir apenas informações simples como e-mail ou CPF ou mesmo o telefone – as chamadas chaves-PIX – ao invés da necessidade de inserir informações mais detalhadas como funciona com os sistemas de DOC e TED, por exemplo, que exigem dados de banco, agência, conta e CPF ou CNPJ. Além disso, a regulamentação inicialmente implementada pelo Banco Central prevê que as instituições financeiras não poderão cobrar tarifas das pessoas físicas ou MEIs na realização de operações no PIX, salvo algumas exceções. É preciso reconhecer que o PIX potencialmente pode reduzir os gastos da população com tarifas e também dos negócios e trabalhadores informais que sofrem com tarifas e taxas abusivas cobradas pelos bancos e por emissores, credenciadores e bandeiras de cartão de débito e crédito.

É importante, no entanto, fazer um alerta. A maior facilidade e o menor custo para os usuários são um horizonte potencial, mas é preciso que a sociedade se mobilize para que esse potencial se concretize de fato e se mantenha ao longo do tempo. A regulação inicial do BC garantiu a gratuidade para pessoas físicas e MEIs, mas é bastante possível e até mesmo provável que novas regulações futuras acabem com a gratuidade a partir do lobby das instituições financeiras. Já vimos isso ocorrer com a regulamentação dos correspondentes bancários por exemplo, que inicialmente tinha boas intenções e garantias de que as populações sem acesso a agências bancárias em suas cidades seriam beneficiadas, mas ao longo do tempo e a partir dos interesses dos bancos foi sendo modificada para se tornar apenas uma forma de os bancos reduzirem seus custos através da terceirização irrestrita e atendimento precário a população.

Além disso, é preciso ressaltar um aspecto pouco discutido pelo Banco Central e, portanto, pouco transparente, que é a segurança do sistema. É preocupante o aumento do número de casos de fraudes digitais e golpes cibernéticos e ainda não está claro quem será responsabilizado por possíveis prejuízos a quem usar o PIX e tiver seus dados ou seus recursos financeiros hackeados por exemplo. Será o Banco Central? Serão as instituições financeiras? Precisamos levantar urgentemente esse debate com especialistas em segurança cibernética. Mesmo a segurança física da população precisa ser melhor debatida, pois o Banco Central não estabeleceu a necessidade de limites mínimos ou máximos para as transações no PIX, e isso poderia amenizar a vulnerabilidade de segurança do sistema.

Do ponto de vista dos resultados financeiros dos bancos os efeitos imediatos do PIX parecem ser contraditórios. Se por um lado deve haver perda de receita com tarifas de DOC e TED, tarifa de emissão de boleto, taxas vinculadas a transações com cartões, aluguel das maquininhas, por outro lado deve haver também reduções de custos importantes. A própria transação pelo PIX é muito mais barata para a instituição financeira do que a transferência por DOC e TED. Além disso, deve haver redução de gastos com estruturas físicas, agências, máquinas de autoatendimento, transporte de numerário, segurança e também com força de trabalho, o que tem gerado preocupação na categoria bancária.

É de se imaginar que o PIX irá acelerar o processo de digitalização das transações financeiras que já vem se expandindo fortemente nos últimos anos o que pode gerar demissões nos cargos vinculados às transações nas agências físicas como os caixas de banco por exemplo. Além disso é possível imaginar impactos no emprego das áreas dos bancos ou de subsidiárias vinculadas à administração de cartões. A cláusula 62 da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) da categoria bancária prevê mecanismos de requalificação e realocação para trabalhadores atingidos por mudanças organizacionais e tecnológicas, como é o caso do PIX. O movimento sindical bancário exige que essa conquista da categoria seja colocada em prática e que os bancos cessem o movimento de destruição de empregos e realoquem os trabalhadores. Certamente o PIX exigirá força de trabalho em outras áreas como desenvolvimento de software, segurança cibernética, atendimento a clientes, propaganda e marketing, redes sociais e é necessário que os trabalhadores possam ser qualificados para atuar nessas áreas, preservando seus empregos e melhorando a infraestrutura necessária para o funcionamento do PIX e o atendimento aos clientes bancários.

Historicamente as inovações organizacionais e tecnológicas geram enormes ganhos de valor para os acionistas das instituições financeiras, mas o mesmo não se vê do ponto de vista dos clientes que seguem pagando os mais elevados juros e tarifas do mundo e tampouco dos trabalhadores que seguem perdendo seus empregos e piorando suas condições de trabalho. É fundamental que nessa nova etapa de transformações a sociedade se mobilize ao lado dos sindicatos para garantir que os potenciais ganhos e facilidades oriundos do PIX se concretizem de fato e não sejam apenas mais um instrumento para aumentar os lucros dos bancos.

* Ivone Silva é presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e região e uma das coordenadoras do Comando Nacional dos Bancários.

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