07/01/2020

Fabiana Matheus: Mercado prefere o participante afastado dos Fundos de Pensão



Por Fabiana Matheus*
 
Há 255 Entidades Fechadas de Previdência Complementar no Brasil, patrocinadas por empresas estatais, privadas ou por instituidores. Essas entidades administram R$ 939 bilhões em ativos de investimento, valor equivalente a 13,4% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Dos R$ 939 bilhões, R$ 358,2 bilhões se concentram nas três maiores, todas com patrocínio de estatais: Previ, de funcionários do Banco do Brasil, com R$ 206,2 bilhões; Petros, de empregados da Petrobras e subsidiárias, R$ 82,2 bilhões; e Funcef, de bancários da Caixa Econômica Federal, R$ 69,7 bilhões[1]. Assim, R$ 38,00 de cada R$ 100 do segmento estão nessas três fundações.

Com o retorno em 2016 de governos neoliberais – inicialmente Temer e, agora, Bolsonaro – observam-se iniciativas para promover, em curto prazo, a transferência dos recursos de entidades de empregados de estatais a administradoras privadas, o incentivo à retirada de patrocínio e a alteração de regulamentos de planos visando ao corte de direitos. É a CGPAR 25[2].

Adicionalmente, em dezembro anunciou-se a aprovação pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC), sob a batuta do Ministério da Economia, de norma visando a eliminar o processo eleitoral para a escolha de diretores de entidades[3]. Os alvos, aqui, são Previ e Funcef, cujos estatutos têm em comum a previsão para a escolha de três dos seis diretores por voto dos participantes, enquanto a patrocinadora indica outros três.

Incentivar a transferência à administração privada e o fim do direito de escolha de participantes teriam por motivação reduzir a ingerência “política”, deixando a cargo de especialistas de mercado a gestão dos recursos dos participantes.

A versão de interferência estatal foi mote para a criminalização especialmente na Funcef e Petros, período 2003-2014. O crime teria sido de diretores, conselheiros e técnicos que, submetidos às ordens do governo de turno, aplicaram em negócios que geraram déficits em planos, destacadamente em fundos de investimentos em participações, os FIPs.

Houve investimentos com perdas, de fato e por variadas razões, mas também investimentos com ganhos. No entanto, independentemente de resultados, o mero anúncio de investigação foi suficiente para selar pela voz das redes sociais o estigma de criminosos aos de então. Ainda agora, destacadamente no caso da Funcef, déficits são atribuídos às administrações investigadas.

A contabilidade e os estigmas

Nos planos Funcef, déficits anteriores foram equacionados e não são mais contabilizados como tal: há contribuições extraordinárias para integralização de reservas.

O déficit atual consolidado de R$ 6 bilhões é consequência de resíduo anterior que a diretoria optou por não equacionar, da redução de meta de rentabilidade definida pela própria fundação e aos resultados insuficientes de 2017, 2018 e 2019, neste ano em números até outubro.

A insuficiência é reflexo da política de investimentos tímida em bolsa de valores e minguante nos tais FIPs, dois segmentos recordistas em rentabilidade nos últimos períodos, preteridos pela própria Funcef com seus gestores não investigados.
 
[1] Dados da ABRAPP – Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar, base junho de 2019.

[2] Ver, a respeito, https://www.observatoriodoparticipante.org/noticia/a-cgpar-e-seu-uso-politico/ e https://www.observatoriodoparticipante.org/noticia/encalacrados/

[3] Ver, a respeito, https://www.fenae.org.br/portal/fenae-portal/noticias/governo-aprova-fim-de-eleicao-paradiretoria-de-fundos-de-pensao.htm


O conforto preferiu os títulos públicos, aplicação com taxas que se reduzem e, para aqueles títulos classificados contabilmente para negociação, com retorno aquém até mesmo da já reduzida meta, como mencionado. Portanto, aplicação fadada a gerar novos déficits. Para comparação, vale aqui observar os balanços dos planos da Previ: fortemente centrados em renda variável, seus resultados têm sido muito melhores que os da Funcef.

Em apresentações recentes, a atual diretoria da Fundação vem ensaiando – quem diria? – a volta aos FIPS e a desejável exposição mais elevada em renda variável. Mais risco? Certamente, mas agora sem o estigma das redes sociais.

Conclusão

Alguns dos atuais diretores da Funcef mostram-se avessos ao fim das eleições, ao menos publicamente. A ver como se comportarão, pois suas escolhas recentes em temas de interesse dos participantes não motivam lá muita confiança. Aliás, eles têm sido omissos quanto à pretendida retirada de direitos.

De toda forma, o principal tema para os participantes da Funcef e demais fundações é o da cobiça do mercado pelos bilhões de reais, mercado que prefere o participante, a quem muito promete, afastado.

Sabe-se que aos de mercado o estigma é o de sua própria competência, não obstante incompetências recentes que geraram, por exemplo, a crise mundial de 2008. A crise que viu seus agentes, avessos a tudo que é estatal, salvos por recursos públicos.

Aos participantes não é dado o direito a ilusões: os especialistas de mercado buscam a meta imediata num efêmero mandato, pois ela condiciona sua remuneração imediata, estejam eles em cargos ou encarregados de gerir os recursos. Esses especialistas são o que são: porta-vozes de seus próprios interesses e dos interesses de grupos financeiros.

Por imperfeições que tenham entidades fechadas, a presença dos participantes na gestão e fiscalização é a sua própria garantia.

*Fabiana é Diretora de Saúde e Previdência na Fenae

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