17/06/2019
Caixa, devolução do Instrumento Híbrido de Capital e Dívida: dívida ou investimento?
Por Maria Rita Serrano*
O anúncio feito pelo governo nessa semana de que a Caixa iniciará a devolução de valores referentes aos contratos de Instrumento Híbrido de Capital e Dívida (IHCD) traz embutido uma lógica perversa e falaciosa com vistas à privatização da empresa.
Primeiro porque, é preciso destacar, ao contrário da narrativa adotada, não se trata de ´dívida´ do banco com o governo, mas de um contrato regulamentado, legal, auditado.
A operação com os IHCDs traz vantagens para ambos os lados, e em especial para a população brasileira, que foi beneficiada com os investimentos feitos decorrentes desse aporte de capital. Nada teve de “pedalada” e, portanto, não pode representar uma “despedalada” como se anuncia. Além disso, para devolver o montante total de R$ 42 bilhões dos IHCDs será efetivada a privatização dos ativos da Caixa. E todo esse desmantelamento será realizado única e exclusivamente - como afirmou o ministro da Economia - para pagar parte da dívida pública, sobre a qual existe série de questionamentos.
A Caixa possui hoje seis contratos de IHCDs autorizados pelo Banco Central para compor o seu capital principal, feitos entre os anos de 2007 e 2013 com o objetivo de fortalecer a expansão de crédito. Parte deles contém cláusulas que determinam o direcionamento dos recursos para investimentos em saneamento básico, habitação popular, financiamento de material de construção e financiamento de bens de consumo para beneficiados do Minha Casa Minha Vida.
Em linhas gerais, o contrato de IHCD celebrado entre a Caixa e a União foi estruturado de uma forma muito positiva tanto para o banco como também para o Tesouro: foi a Medida Provisória no 470, de 13 de outubro de 2009, que autorizou a concessão de crédito à Caixa de forma a permitir a sua adequação como instrumento híbrido de capital e dívida, e que tem suas características estabelecidas na Resolução n° 3.444, de 28.2.2007, do Conselho Monetário Nacional, ficando assegurado ao Tesouro Nacional remuneração compatível com o seu custo de captação.
Para o banco, os recursos são essenciais por integrarem o “Capital Principal Nível I do Patrimônio de Referência”, conforme o art. 16 da Resolução CMN n° 4.192/13. O instrumento em questão ainda define vários pontos que, sem prejuízo para o Tesouro, tornam essa operação bastante vantajosa para a Caixa, tais como a regra de perpetuidade do contrato (que determina que a devolução dos valores aportados fica a critério de quem o recebeu, sem que o governo possa exercer pressão para que isso ocorra).
Os IHCDs também estão sujeitos a despesas financeiras anuais de atualização monetária e juros remuneratórios que devem ser pagos a União. A remuneração é integralmente variável, ou seja, atrelada ao resultado da Caixa e ao valor de dividendos repassados ao controlador. No atual exercício, somente de juros foram pagos ao Tesouro em torno de R$ 1.6 bi.
Ora, o governo é o dono da Caixa, e portanto é esperado que seja o responsável por capitalizar sua empresa. A Caixa ampliou seu lucro no período anterior, aumentou investimentos e ainda repassou somente em dividendos para o Tesouro (entre 2003 e 2018) em torno de R$ 42 bilhões, basicamente (e coincidentemente...) o montante de todos os contratos de IHCDs.
Esses contratos foram autorizados e fiscalizados pelos órgãos internos, auditórias e externos, TCU, Banco Central, AGU, ministérios e outros. Além do que, como já citado, trata-se de uma operação financeira, com juros sendo pagos e – acrescento – muito bem pagos. A pouca ´gordura´ que a Caixa acumulou no seu capital entre 2017 e 2018 foi, em parte, graças à decisão unilateral do banco de colocar teto de gastos no plano de saúde dos empregados e, como consequência, em torno de 5 bilhões foram desprovisionados, impactando no resultado e no capital. E agora serão usados para amortizar R$ 3 bilhões dos IHCDs.
Em meio a um Brasil em recessão, com o desemprego atingindo patamares alarmantes, o debate que se faz no governo não é focado no investimento, na geração de empregos, no crescimento econômico. Mira-se no montante emprestado para o conjunto dos bancos públicos, na ordem de 86,5 bilhões, que foram usados para movimentar a economia e o investimento: o ministro da Economia pressiona pela devolução, exercendo verdadeira ingerência política nas instituições.
Ou seja, o que estamos vendo é a destruição das políticas públicas, o ataque à Previdência e Educação e a entrega do patrimônio e empresas públicas às grandes multinacionais. Esse, infelizmente, é o mesmo caminho que se desenha para a Caixa e demais bancos públicos nesse momento.
Cabe ao povo brasileiro, verdadeiro dono da Caixa, se apropriar desses debates e tomar uma atitude em defesa do banco, que em seus 158 anos de história, contribuiu ativamente para o desenvolvimento do País. Porque Caixa para todos é Caixa Pública.
*Maria Rita Serrano é representante dos empregados no Conselho de Administração da Caixa e coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas
Primeiro porque, é preciso destacar, ao contrário da narrativa adotada, não se trata de ´dívida´ do banco com o governo, mas de um contrato regulamentado, legal, auditado.
A operação com os IHCDs traz vantagens para ambos os lados, e em especial para a população brasileira, que foi beneficiada com os investimentos feitos decorrentes desse aporte de capital. Nada teve de “pedalada” e, portanto, não pode representar uma “despedalada” como se anuncia. Além disso, para devolver o montante total de R$ 42 bilhões dos IHCDs será efetivada a privatização dos ativos da Caixa. E todo esse desmantelamento será realizado única e exclusivamente - como afirmou o ministro da Economia - para pagar parte da dívida pública, sobre a qual existe série de questionamentos.
A Caixa possui hoje seis contratos de IHCDs autorizados pelo Banco Central para compor o seu capital principal, feitos entre os anos de 2007 e 2013 com o objetivo de fortalecer a expansão de crédito. Parte deles contém cláusulas que determinam o direcionamento dos recursos para investimentos em saneamento básico, habitação popular, financiamento de material de construção e financiamento de bens de consumo para beneficiados do Minha Casa Minha Vida.
Em linhas gerais, o contrato de IHCD celebrado entre a Caixa e a União foi estruturado de uma forma muito positiva tanto para o banco como também para o Tesouro: foi a Medida Provisória no 470, de 13 de outubro de 2009, que autorizou a concessão de crédito à Caixa de forma a permitir a sua adequação como instrumento híbrido de capital e dívida, e que tem suas características estabelecidas na Resolução n° 3.444, de 28.2.2007, do Conselho Monetário Nacional, ficando assegurado ao Tesouro Nacional remuneração compatível com o seu custo de captação.
Para o banco, os recursos são essenciais por integrarem o “Capital Principal Nível I do Patrimônio de Referência”, conforme o art. 16 da Resolução CMN n° 4.192/13. O instrumento em questão ainda define vários pontos que, sem prejuízo para o Tesouro, tornam essa operação bastante vantajosa para a Caixa, tais como a regra de perpetuidade do contrato (que determina que a devolução dos valores aportados fica a critério de quem o recebeu, sem que o governo possa exercer pressão para que isso ocorra).
Os IHCDs também estão sujeitos a despesas financeiras anuais de atualização monetária e juros remuneratórios que devem ser pagos a União. A remuneração é integralmente variável, ou seja, atrelada ao resultado da Caixa e ao valor de dividendos repassados ao controlador. No atual exercício, somente de juros foram pagos ao Tesouro em torno de R$ 1.6 bi.
Ora, o governo é o dono da Caixa, e portanto é esperado que seja o responsável por capitalizar sua empresa. A Caixa ampliou seu lucro no período anterior, aumentou investimentos e ainda repassou somente em dividendos para o Tesouro (entre 2003 e 2018) em torno de R$ 42 bilhões, basicamente (e coincidentemente...) o montante de todos os contratos de IHCDs.
Esses contratos foram autorizados e fiscalizados pelos órgãos internos, auditórias e externos, TCU, Banco Central, AGU, ministérios e outros. Além do que, como já citado, trata-se de uma operação financeira, com juros sendo pagos e – acrescento – muito bem pagos. A pouca ´gordura´ que a Caixa acumulou no seu capital entre 2017 e 2018 foi, em parte, graças à decisão unilateral do banco de colocar teto de gastos no plano de saúde dos empregados e, como consequência, em torno de 5 bilhões foram desprovisionados, impactando no resultado e no capital. E agora serão usados para amortizar R$ 3 bilhões dos IHCDs.
Em meio a um Brasil em recessão, com o desemprego atingindo patamares alarmantes, o debate que se faz no governo não é focado no investimento, na geração de empregos, no crescimento econômico. Mira-se no montante emprestado para o conjunto dos bancos públicos, na ordem de 86,5 bilhões, que foram usados para movimentar a economia e o investimento: o ministro da Economia pressiona pela devolução, exercendo verdadeira ingerência política nas instituições.
Ou seja, o que estamos vendo é a destruição das políticas públicas, o ataque à Previdência e Educação e a entrega do patrimônio e empresas públicas às grandes multinacionais. Esse, infelizmente, é o mesmo caminho que se desenha para a Caixa e demais bancos públicos nesse momento.
Cabe ao povo brasileiro, verdadeiro dono da Caixa, se apropriar desses debates e tomar uma atitude em defesa do banco, que em seus 158 anos de história, contribuiu ativamente para o desenvolvimento do País. Porque Caixa para todos é Caixa Pública.
*Maria Rita Serrano é representante dos empregados no Conselho de Administração da Caixa e coordenadora do Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas
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