Por Walcir Previtale*
A cada dia os problemas do adoecimento na categoria bancária agravam-se e produzem consequências que vão para além do âmbito trabalhista. O elevado adoecimento e afastamento no setor bancário acaba por gerar importantes consequências sociais, envolvendo o trabalhador adoecido e a sua família, o sistema público de Seguridade Social, o judiciário, o movimento sindical e outros atores que se preocupam e atuam na defesa da saúde dos trabalhadores.
Em último lugar, assim podemos dizer, nesse emaranhado de problemas, aparece o empregador que, de acordo com a Constituição Federal (CF), é o responsável pelas condições e ambiente de trabalho saudável e, assim, possui responsabilidade objetiva no que se refere à saúde dos trabalhadores. Há uma vasta legislação no ordenamento jurídico brasileiro, que regula a questão da saúde dos trabalhadores e se multiplica em normas regulamentadoras (NR), em convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), leis ordinárias, leis orgânicas, portarias ministeriais, convenções coletivas de trabalho (CCT), entre outros instrumentos de proteção à saúde. É importante registrar que a saúde do trabalhador é parte integrante da saúde pública, do Sistema Único de Saúde (SUS). Todos os bancos são obrigados a cumprir a legislação vigente. Porém, a prática indica outra coisa.
Teoricamente, os serviços médicos dos bancos deveriam funcionar em sintonia com a legislação de saúde vigente, atuar na promoção da saúde e prevenção de acidentes e adoecimentos, garantir a participação dos trabalhadores e de seus representantes em políticas de saúde, dar transparência nas informações de saúde e partir do princípio da saúde como direito humano fundamental, um direito inalienável, ou seja, a saúde do trabalhador pertence a ele e não ao empregador e muito menos é monopólio de médicos ou engenheiros do trabalho contratados pelo patronato.
Quais razões nos levam a afirmar que o empregador aparece em último lugar e com uma prática teoricamente em sintonia com a lei quando nos referimos aos serviços médicos dos bancos? E o que sustenta a nossa argumentação?
É no exato momento em que um bancário ou bancária necessita afastar-se do trabalho para tratamento de sua saúde, seja por adoecimento ou acidente do trabalho, que vai se deparar com inúmeros problemas e dificuldades colocados pelos bancos. Na verdade, são políticas desenvolvidas pelo setor patronal, muitas delas não encontrando respaldo legal, com claros propósitos em dificultar ao máximo a vida do trabalhador quando não mais está na linha da plena produção, quando não mais pode atender as planilhas de produtividade, com metas cada vez mais crescentes e abusivas.
E foi na medicina do trabalho que o setor patronal encontrou o caminho para o desenvolvimento dessas políticas. Tentando dar um caráter de legalidade e respaldo técnico, os bancos instrumentalizam os serviços de medicina do trabalho para garantir os seus interesses corporativos e econômicos, implementando políticas que prejudicam os trabalhadores, transformando os serviços médicos em verdadeiros entraves para o pleno exercício da cidadania, violando direitos fundamentais da pessoa humana, principalmente o direito a saúde.
A política dos bancos em recusar e revalidar atestados médicos é um grande exemplo dessa instrumentalização dos serviços médicos e que gera graves consequências para a saúde dos trabalhadores, além de violar o direito a intimidade dos empregados.
E como acontece, na prática a recusa e revalidação de um atestado médico entregue por um empregado em seu local de trabalho?
Simples. O banco não aceita o atestado emitido por um médico da confiança do empregado, na maioria das vezes de médico conveniado pelo próprio plano de saúde do banco, e encaminha o trabalhador para o médico do trabalho. É esse médico, contratado pelo banco, que emitirá um outro atestado reduzindo o número de dias de afastamento indicado pelo médico anterior e afastando qualquer opinião que possa relacionar o adoecimento com as condições e relações de trabalho. Essa política nos revela duas questões importantes: o descaso dos bancos com a saúde dos empregados e uma preocupação meramente fiscal com a saúde do trabalhador. Quanto menos atestados que possam revelar adoecimento relacionados com o trabalho, consequentemente menos ou quase nenhum trabalhador será encaminhado para a Previdência Social e, assim, os bancos economizarão muito dinheiro em contribuições fiscais, influenciando principalmente nas contas do Seguro Acidente do Trabalho (SAT) e do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), além de ampliar a subnotificação das doenças relacionadas ao trabalho.
Além da política de recusa dos atestados médicos, outra área que sofre a influência direta da administração dos bancos é a referente a realização dos exames médicos, previstos no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO), uma política definida pela norma regulamentadora (NR) nº 7, aliás, uma norma burocrática e atrasada que privilegia apenas o olhar médico, desprezando os processos e organização do trabalho como determinantes da relação saúde-doença e excluindo o saber do trabalhador.
O principal problema é a total subordinação do médico do trabalho aos interesses econômicos dos bancos para decidir sobre o retorno ou não do empregado ao seu posto de trabalho. Temos registro de casos em que o médico do trabalho, antes de decidir se o bancário pode ser considerado apto ou inapto para retornar às suas funções profissionais, faz a consulta ao departamento de recursos humanos do banco para tomar ciência de qual decisão tomar. Ou seja, uma decisão importante que envolve a saúde de uma pessoa é delegada a um terceiro que nem conhece o empregado e muito menos qual trabalho desempenha. Todo o trabalho do médico do banco e do médico assistente do empregado vão para a lata do lixo.
São apenas algumas questões que procuramos retratar nesse pequeno texto. Sabemos que há muitos outros problemas nos serviços médicos dos bancos e a instrumentalização da medicina do trabalho pelo setor patronal preocupa, deve ser combatida e denunciada. Não pretendemos travar uma guerra contra médicos do trabalho e sim combater essa instrumentalização que, em última análise, tem servido para demitir trabalhadores adoecidos e garantir maiores lucros para um setor que já lucra muito com o sacrifício dos trabalhadores e da sociedade.
Pensamos que a medicina do trabalho pode ser uma aliada, em conjunto com os trabalhadores e de seus representantes. Uma proposta extremamente viável, que democratiza os serviços médicos nos bancos, é a implementação da Convenção 161, da OIT, no qual o Brasil é signatário desde 1991 e que versa sobre os serviços de saúde no trabalho. Em especial, destacamos o seu artigo 8º, que diz: “o empregador, os trabalhadores e seus representantes, quando estes existam, devem cooperar e participar na organização de serviços de saúde no trabalho e de outras medidas a eles relativas, em bases equitativas”.
Caso persista a resistência do setor patronal em democratizar as relações de trabalho no âmbito da empresa, principalmente sobre os serviços de saúde no trabalho, a pergunta que dá título para esse artigo continuará viva: a quem servem os serviços médicos dos bancos?
* Walcir Previtale é Secretário de Saúde do Trabalhador da Contraf-CUT e Representante da CUT no Conselho Nacional de Saúde.
Fonte: Contraf-CUT