22/06/2016

O mito do déficit da previdência - fatia que faltava para o mercado financeiro

Por Piatã Müller*

Com o novo governo do presidente interino, Michel Temer, e o novo Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, fica escancarado que a solução vendida para a mídia para a crise financeira é a reforma da previdência.

A falácia é que o rombo da Previdência é enorme e sua estrutura insustentável para os anos que virão.

Trata-se de um mito criado para justificar a privatização da previdência e dos serviços assistenciais, e destinar ainda mais recursos para o setor financeiro. Pois, do orçamento federal gasto, os 22% investidos na Previdência (em 2014) correspondem ao maior gasto social do governo, superado apenas pelo pagamento dos juros e amortizações da dívida pública.

O déficit da previdência é a mentira tornada verdade depois de tantas vezes repetida.

Como isso é possível? Realizando manobras contábeis que se esquivem do que a Constituição Federal determina.

Portanto, para esclarecer o assunto, vamos à Constituição.

O primeiro ponto a se observar é que, antes de tudo, o correto, constitucionalmente, é transferir a discussão da “Previdência Social” para a “Seguridade Social”, sendo a previdência apenas uma parte dela.

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

A seguridade social obtém superávits todos os anos, conforme levantamento da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP). Dados sinalizam que entre 2008 e 2014, o superávit ultrapassa a casa dos R$ 319 bilhões, assim distribuídos: 2008, R$ 63.213 bilhões; 2010, R$ 53.828 bi; 2012, R$ 82.690 bi; 2013, R$ 76.214 bi; e 2014, R$ 53.892. 

Lembrando, a previdência social faz parte da Seguridade Social. Portanto, reduzir a discussão apenas à previdência é esconder os superávits da Seguridade Social. Trata-se de “desonestidade constitucional”, pois afinal, convenhamos, o que importa é se conseguiremos financiar a saúde, a assistência social e a previdência social.

E sim, mesmo no péssimo ano de 2014, a Seguridade Social obteve mais de R$ 53 bilhões de superávit.

Vamos agora a outro erro monumental, que é considerar a contribuição feita pelo governo federal como uma despesa.

Voltemos à Constituição Federal.

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o faturamento;
c) o lucro;

II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

Ou seja, o caixa da Seguridade Social é composto por contribuições do governo, das empresas e do trabalhador.

A contribuição do governo não acontece para cobrir um rombo, mas para contribuir com sua parcela constitucional, assim como trabalhadores e empresas também o fazem.

Em momento algum foi pensado que apenas as contribuições de trabalhadores e empresas devem financiar a seguridade social ou a previdência social. Isso é cometer outra grave “desonestidade constitucional”.

Por último, vamos a um fator extremamente agravante: o governo federal destina recursos da Seguridade Social para o orçamento fiscal, ou seja, para contribuir com a formação do “superávit primário”, que significa, em bom português, a reserva de recursos para o pagamento da questionável dívida pública.

Para arrematar, como retoque final, o governo federal descumpre mais uma vez a Constituição Federal ao conceder desonerações que iriam diretamente para o caixa da Seguridade Social. Em 2013, por exemplo, R$ 10 bilhões deixaram de ser arrecadados e poderiam aumentar, ainda mais, o superávit da Seguridade Social daquele ano, que foi de mais de R$ 76 bilhões.

Fica uma pergunta no ar…?

Algo como: mas qual seria o motivo para a insistente divulgação do rombo da Previdência?

Ora… basta olhar o gráfico do Orçamento da União Executado em 2014:

Já gastamos 45% com juros e amortizações da dívida. Educação, saúde e trabalho não chegam aos 4% cada. Cultura recebe 0,04% do orçamento, direitos da cidadania 0,03%. Não há mais de onde extrair riquezas do país e transferir ao setor financeiro.

A não ser…

A Previdência Social! Que representa 21,76% dos gastos nacionais.

Sim, a Previdência é a fatia que faltava.
 

*Piatã Müller é presidente do Instituto Sócrates, jornalista, educador social e um dos coordenadores do núcleo curitibano da Auditoria Cidadã da Dívida. Texto publicado originalmente no portal da CSPB.


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