16/12/2020

Encruzilhada: A utopia útil - desconcentração da riqueza e regulação dos mercados


Distanciamento entre pobres e ricos retoma destaque nos fóruns de discussão acadêmicos e políticos:
 como sustentar essa dinâmica perversa da sociedade?


 
Por Antônio Bráulio de Carvalho*

Após oito anos do lançamento do livro “O capitalismo no século 21”, do economista francês Thomas Piketti, desmascarando estatisticamente o distanciamento abissal entre pobres e ricos, o tema continua em destaque. Mais que isso, passou a figurar nos fóruns de discussão acadêmicos e políticos, sob forte resistência dos principais interessados em manter esta dinâmica perversa da sociedade.

À época, o tema mereceu até mesmo discurso inflamado do líder maior da célula materna do capitalismo, Barack Obama, que chamou a atenção do mundo para a realidade nua, de que quase 50% da riqueza do planeta está concentrada nas mãos de apenas 1% dos cidadãos mais privilegiados da civilização contemporânea. Esta realidade tornou-se ainda mais aparente neste momento de crise da pandemia da covid-19, quando ricos se tornaram ainda mais opulentos e os pobres, ainda mais miseráveis.

Os estudos das questões pertinentes à distribuição de renda, ao crescimento das principais economias do mundo e sobre as engenharias tributárias praticadas pelos Estados modernos tornaram-se a coqueluche dos economistas. É como se houvesse um grande esforço para diagnosticar a principal doença do sistema, que todos já sabiam – como ironiza o professor Luiz Gonzaga Belluzo – de que o cantado e decantado capitalismo é, por excelência, concentrador.

Está claro que a famosa lei defendida pelos teóricos liberais, da “mão invisível do mercado” como premissa para conter o espírito animal dos capitalistas, não foi eficiente para evitar a expropriação aguda da classe economicamente mais vulnerável em favor de uma pequena elite detentora da riqueza global.
Ao contrário do que acreditavam os pais da economia clássica David Ricardo, Adam Smith, Thomas Malthus e seus seguidores, o benefício da partilha dos bens de uso e de consumo a que teriam direito os cidadãos comuns, no longo prazo, frustrou até o mais otimista pelo modelo. O distanciamento entre ricos e pobres tem se revelado como um dos principais sintomas de crises ao longo da história do sistema.

Esse novo momento de reflexão teórica tem o mérito de forçar uma leitura mais acurada das lições de Karl Marx, sobretudo para aqueles que pretendem entender a dinâmica do capital. É fato que nenhum economista, por mais brilhante que se faça parecer, tenha sequer se aproximado da profundidade dos estudos de Marx sobre as contradições intrínsecas do sistema capitalista. Estas foram didaticamente demonstradas por ele e por Friedrich Engels (cujo bicentenário de vida celebramos este ano), com a edição de “O Capital”, há mais de um século e meio.

A discussão chama também à pauta um outra personagem que se destacou por ser o primeiro economista capitalista a tecer duras críticas ao sistema. John Maynard Keynes expôs o seu desejo de extermínio – por eutanásia – dos rentistas improdutivos e tentou apresentar uma nova dinâmica de lucro para o capital, na sua Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Renda, de 1937.

Por caminhos e convicções diferentes, três referenciais teóricos do capitalismo chegam a conclusões muito próximas e complementares: Marx comprovou que não há salvação para a humanidade nos marcos do capitalismo, por tratar-se de interesses inconciliáveis entre capital e trabalho; Keynes considerou que não há salvação para o capitalismo sem se livrar da especulação financeira, por tratar de interesse inconciliável com o capital produtivo.

Agora, a terceira via, o “capital no século 21”, alerta que a sobrevivência do sistema capitalista depende urgente e necessária desconcentração da riqueza e de uma rigorosa da regulamentação dos mercados.
 
*Antônio Bráulio de Carvalho é presidente da Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão e dos Beneficiários de Planos de Saúde de Autogestão (Anapar)

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