Para presidente do TRT de SP, 'reforma' das leis trabalhistas não criará nenhum emprego
Por Eduardo Maretti
ENTREVISTA: Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região SP Wilson Fernandes
Se para Michel Temer (PMDB) a reforma trabalhista aprovada há uma semana no Senado é “modernizar” a legislação e uma “ousadia” do seu governo, a opinião de diversos especialistas na área é totalmente diferente.
Uma das vozes que discordam de Temer é o desembargador Wilson Fernandes, presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (que abrange São Paulo, Região Metropolitana e Baixada Santista), que é enfático ao dizer que a reforma trabalhista, sancionada na última quinta-feira (13), não vai aumentar o número de postos de trabalho.
“Ela tem sido vendida com a ideia de que vai combater o desemprego. Isto, segundo minha avaliação, é um equívoco muito grande”, diz.
Além do fato de que os argumentos utilizados para mudar a lei, em muitos pontos, são equivocados, o desembargador destaca que, em sua opinião, os problemas diretamente relacionados ao enorme desemprego de cerca de 14 milhões de pessoas, hoje, no país, é a economia.
“É a alteração da economia que vai trazer novos empregos”, afirma Fernandes. “O país vive uma crise política. Esta crise está gerando uma crise econômica, que tem gerado desemprego.”
Para ele, também ao contrário dos argumentos dos que trabalharam pela construção da reforma trabalhista, “a lei não traz segurança jurídica”. O que daria ao sistema essa chamada segurança “é a interpretação reiterada, uniforme dos tribunais ao longo do tempo”.
Veja o que o desembargador Fernandes falou à Rede Brasil Atual:
O que o senhor diria aos trabalhadores a respeito de como a reforma trabalhista os afetará?
É importante que o trabalhador compreenda que esta reforma não é a chave para a solução do emprego no país. Ela tem sido vendida com a ideia de que vai combater o desemprego. Isto, segundo minha avaliação, é um equívoco muito grande. O país vive uma crise política. Esta crise está gerando uma crise econômica, que tem gerado desemprego. Com a crise, os empresários tendem a resistir ao investimento. Isto provoca retração ao investimento, e nada tem a ver com legislação trabalhista, que é a mesma há muitas décadas, com pequenas alterações, e nunca inibiu investimento. Há alguns anos tínhamos índice de desemprego muito baixo com a mesma legislação. Imaginar que mudando a lei vão surgir novos empregos não me parece uma conclusão adequada.
A experiência em outros países mostra o contrário, que essas reformas aumentam o desemprego?
Exatamente. Dou como exemplo a terceirização, que agora pode ser utilizada na atividade-fim. As empresas que têm empregados atuando na atividade-fim podem terceirizar contratando empregados terceirizados. Mas para fazer isso têm que demitir os empregados atuais. Para cada posto de trabalho novo que abre, tem um desempregado novo na rua. E com um agravante: os empregados que ela despede não podem ser contratados de novo em menos de um ano e meio, uma quarentena enorme. A terceirização não vai gerar rigorosamente um posto de trabalho novo. Mais de cem artigos da CLT foram alterados. Não sabemos exatamente o que vai ser alterado por medida provisória. Tem um compromisso, supostamente, do presidente da República em alterar algumas coisas desse texto.
Um dos pontos seria a questão relativa às mulheres...
A nova lei permite que gestantes trabalhem em atividades insalubres. Isso é absolutamente inadequado. É muito bom que faça essa alteração, isso é muito sério. Essa seria uma das alterações que ele faria. Outra seria a questão do imposto sindical. Mas ontem ouvi que não, que esse compromisso ele não assumiu. Vamos ter que esperar para ver o que vai sair daí. Agora, para o trabalhador podemos dizer que os sindicatos vão perder muita força na negociação. Temos hoje alguns sindicatos que são fortes e têm legitimidade, representam de fato o trabalhador. Outros, a grande maioria, não representa coisa nenhuma. A maioria foi criada para se beneficiar do imposto sindical. No Brasil temos cerca de 17 mil sindicatos, dos quais mais da metade nunca celebrou uma convenção coletiva. São sindicatos que não representam nada, nenhuma categoria. Recebem o imposto sindical. Sem o imposto esses sindicatos menores vão desaparecer e os grandes vão ter muitas dificuldades de cumprir seu papel, se não tiverem o imposto sindical para executar suas atividades.
Eu sempre defendi o fim do imposto sindical, mas acho que isso deve se dar no contexto de uma ampla reforma sindical, o que precisaria ser paulatino. De um dia para outro, perdendo essa fonte de recurso, vão morrer de inanição.
Num contexto de altíssimo desemprego, essa reforma se torna ainda mais dramática, não?
Ela não vai gerar nenhum posto novo de trabalho. Sobre a ideia de que empresários vão investir muito mais porque terão segurança jurídica, eu insisto muito no seguinte: a lei não traz segurança jurídica. Não é a lei, é a interpretação reiterada, uniforme dos tribunais ao longo do tempo que traz segurança jurídica. A nova lei estabelece algumas regras que o Ministério Público do Trabalho entende que são inconstitucionais. Até que o Supremo decida isso, esses dispositivos geram muito mais insegurança. A lei tem alguns poucos dispositivos com aplicação imediata e que não vão criar grandes discussões, mas tem outros importantes de constitucionalidade duvidosa.
Por exemplo?
A questão dos honorários advocatícios. A questão dos honorários de advogado vai fazer com que os advogados passem a ser mais cautelosos na postulação da ação porque, se pedem mil e ganham cem, vão ter que pagar honorário sobre o que perderam. Isso pode fazer com que, em uma ação em que o empregado ganhe alguma coisa, o que ele ganhou vai ser utilizado para pagar honorário da parte contrária. Isso vai estimular um maior cuidado na formulação dos pedidos. Até que o TST decida reiteradamente num ou noutro sentido, não teremos a segurança de que isso fere ou não a Constituição, se será seguida pelos tribunais ou não.
A lei traz alguns poucos avanços, não em benefício de um empregado, mas que são importantes para disciplinar algumas matérias. Por exemplo, na questão do tempo que o empregado perde na condução oferecida pelo empregador. A jurisprudência manda pagar como hora extra. Isso faz com que muitos empresários até bem intencionados decidam não dar condução e contratar empregados mais próximos da empresa. A lei acabou com isso (estabeleceu o fim da obrigatoriedade do pagamento pelas empresas das chamadas horas in itinere, o tempo que o trabalhador gasta em transporte fornecido pelo empregador). Acho um avanço, porque, a pretexto de beneficiar o empregado, pode dificultar para algumas pessoas. Conheço o caso de um empresário que tinha 70, 80 empregados de uma cidade vizinha e tinha que dar condução. Quando ele descobre que tem que pagar isso como hora extra, manda todo mundo embora e contrata outros de sua cidade. É um avanço, mas não vamos dizer que é um benefício para o empregado. Óbvio que não.
E qual o impacto da reforma na Justiça do Trabalho?
Num primeiro momento essa reforma tem o potencial muito grande de criar novas discussões judiciais. A tendência é que a gente tenha até acréscimo das ações. Num segundo momento, não vai cair o numero de ações propriamente dito. O que vai reduzir muito são os pedidos formulados em cada ação. Hoje o empregado pede 20 ou 30 coisas diferentes em algumas ações. Em se admitindo que não seja declarada a inconstitucionalidade da questão dos honorários, com o tempo o empregado vai deixar de pedir verbas que ele não tem certeza de que vai ganhar. Um exemplo concreto: o empregado fez muitas horas extras e não recebeu. Procura um advogado e o advogado cauteloso vai perguntar: “você tem prova de que fez essas horas extras?” Se não tiver, melhor não pedir. Se pedir e não ganhar o pedido, sobre o valor desse pedido vai pagar honorário da parte contrária.
As ações vão aumentar ou diminuir?
Hoje temos no país quase 5 milhões de ações por ano. Mas estudos do CNJ demonstram que metade das ações são propostas para cobrar verbas rescisórias. É o caso do empregado que é despedido e não recebe. Essas ações não vão deixar de ser propostas, não importa se a lei mudou ou não. Essas ações vão continuar sendo propostas. Na outra metade, pode ser que a médio e longo prazo haja uma redução. Eu diria que só ao longo de alguns anos a gente vai ter estabilidade razoável a respeito de como devem ser interpretados os novos dispositivos.
Fonte: Rede Brasil Atual
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