O desmantelamento das políticas de saúde do trabalhador no Brasil
Por Walcir Previtale*
O campo político da saúde dos trabalhadores sempre foi marcado por grandes disputas na esfera do capital e trabalho, ora criando condições para avançar, ora retrocedendo. Mas, no último período, o que tem prevalecido são ataques para destruir o pouco que foi construído, o pouco que foi conquistado no Brasil.
Os ataques desferidos, sobretudo pelo setor patronal, são avassaladores para a classe trabalhadora, considerando a histórica falta de democracia nos ambientes de trabalho, a ausência de Organização por Local de Trabalho (OLT), o veto patronal à participação dos trabalhadores para defender a sua própria saúde e a privatização das políticas de saúde pelas empresas, principalmente as grandes corporações e as multinacionais. Tratam a saúde dos empregados como de sua propriedade, desrespeitando a saúde como direito humano fundamental, como direito indisponível, ou seja, a saúde do trabalhador a ele pertence, única e exclusivamente.
A Constituição Federal de 1988 contempla no seu texto final a saúde do trabalhador como Política Pública de Estado, dessa forma, tirando o tema da marginalidade e dando nova legitimidade à questão. Logo, a saúde do trabalhador ganha novos espaços nas esferas de governo, alçando os Ministérios da Saúde, Trabalho e Previdência Social.
Passa a integrar o conjunto de políticas que compreendem a seguridade social, prevista no artigo 194 da Constituição. Começa a possuir financiamento para o desenvolvimento de políticas de saúde, a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST) é criada, as cidades passam a contar com os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST) para o atendimento e encaminhamento de demandas da área. É implementada no Sistema Único de Saúde (SUS), considerando que compete ao SUS a execução das ações de saúde do trabalhador, conforme determina a Constituição Federal. Em 2012, o Ministério da Saúde apresenta a portaria nº 1823, de 23 de agosto, que institui a “Política Nacional de Saúde Trabalhador e da Trabalhadora”.
Assim, ganha maior visibilidade e também passa a ser apropriada, agora em maior escala, pelos movimentos sociais, pelo movimento sindical dos trabalhadores, academia, técnicos, médicos, etc. De forma ainda incipiente, as políticas de saúde e trabalho avançam para dentro das fábricas, para dentro dos bancos, de escolas, no canteiro de obras e assim por diante.
Porém, o maior problema está situado no setor patronal que naquela época e até hoje não acompanhou e nem concordou com os avanços no campo político da saúde do trabalhador. Tratam a saúde dos empregados como propriedade privada, manipulam os arcaicos serviços de Medicina do Trabalho e vetam a participação dos trabalhadores e de seus representantes em matéria de saúde nos ambientes de trabalho. Ainda defendem a “saúde e segurança do trabalho”, visão ultrapassada que delega as políticas de saúde aos técnicos e médicos e excluem os trabalhadores. Continuam se respaldando nas atrasadas normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho, que já não dão respostas às complexidades do mundo do trabalho, principalmente quando tratamos de questões relacionadas aos processos e organização do trabalho e os impactos na saúde dos trabalhadores.
O ataque ao Fator Acidentário de Prevenção – FAP
O mais recente ataque do setor patronal foi mirado para o Fator Acidentário de Prevenção (FAP), parte integrante da Política Nacional de Saúde do Trabalhador - PNSST, regulamentado pelo decreto nº6042/2007 e pela Resolução CNPS nº 1316/2010. O FAP foi pensado em uma lógica de “bônus e malus”, concedendo diminuição tributária para as empresas com redução do número de acidentes e taxando àquelas com maior índice de acidentes e afastamentos relacionados com o trabalho. O foco do FAP seria as políticas de prevenção em detrimento de uma política meramente fiscal. Porém, as políticas de prevenção nunca fizeram parte do horizonte do setor patronal e nem mesmo do FAP.
Incomodados e inconformados com o FAP desde o início de sua vigência, a partir de 2010, as confederações patronais adotaram a política de destruição do Fator e iniciaram uma ofensiva no judiciário, com o ingresso de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), contestando o FAP e o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) – um novo critério para o INSS avaliar a incapacidade para o trabalho dos segurados da Previdência Social.
Apesar de 94% das empresas do País constarem na faixa “bônus”, segundo estatísticas da Previdência Social, o FAP passa a sofrer grande ofensiva patronal em 2014, com propostas de reforma e de exclusão de itens que compõem a sua base de cálculo.
Em 17 de novembro de 2016, o setor patronal, capitaneado pelas Confederação Nacional da Indústria - CNI e pela Confederação Nacional das Instituições Financeiras – CNF, em explícita aliança com a bancada de governo, aprovou, no Conselho Nacional de Previdência Social – CNPS, o fim do FAP. Registramos aqui que a bancada dos trabalhadores votou contra todas as propostas que implodiram o FAP.
A PEC 55, Reformas da Previdência e Trabalhista e a Terceirização
O recente ataque ao FAP é apenas parte de um conjunto de políticas que visam a destruição de direitos históricos da classe trabalhadora brasileira.
Logo em 16 de maio de 2016, o novo Ministro da Saúde, Ricardo Barros, declara que o tamanho do SUS precisa ser revisto, numa ameaça contundente ao direito universal à saúde, um dos princípios do Sistema Único de Saúde. Sinalização bem definida que o ataque à saúde pública seria um dos alvos do governo que não passou pelo crivo do voto popular. E a destruição do SUS acarreta a destruição do pouco que temos em políticas de saúde do trabalhador em nosso país.
A proposta de emenda constitucional - PEC 241, aprovada na Câmara Federal em dois turnos, que agora tramita no Senado Federal com o número 55, propõe o congelamento dos gastos públicos por 20 anos. Aprovada a mudança na Constituição, o SUS perderá sua capacidade de formulador e coordenador de políticas públicas de saúde, pois os gastos historicamente crescem todos os anos em ritmo acima da inflação. E, por consequência, a área da saúde do trabalhador também perde com a proposta da PEC 55, considerando as atribuições do SUS como elaborador e impulsionador de políticas para a área. A aprovação da PEC 55 atingirá, de forma contundente, a capacidade de atendimento à população dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador – CEREST, com a redução do orçamento dos gastos com a saúde pública.
A reforma previdenciária pretendida pelo governo também traz reflexos para a saúde dos trabalhadores. Para além das aposentadorias, várias questões passam pela Previdência Social, como os programas deReabilitação Profissional, que hoje praticamente inexiste como uma política pública forte, a concessão dos benefícios previdenciários, o auxílio acidente, a aposentadoria especial e a por invalidez, entre outras questões.
A Previdência Social e o INSS, historicamente, sempre mudaram regras sem a necessidade de reformas discutidas com a sociedade. Mecanismos como as “ordens internas”, “resoluções” e “portarias” dão o tom da reforma que passa despercebida pelos trabalhadores. As medidas provisórias também se inserem neste contexto. Recentemente, com a edição da MP nº 739, a saúde dos trabalhadores foi afetada em seu âmago, ameaçando milhares de segurados afastados para tratamento de saúde. A portaria nº 152, de 25 de agosto de 2016, extingue o Pedido de Reconsideração – PR, um recurso para atender trabalhadores sem condições de saúde quando do retorno ao trabalho.
A reforma trabalhista e a terceirização, também são questões que, aprovadas como querem os empresários e o governo, com jornadas de 12 horas diárias como defende a CNI e com contratos de trabalho precários e terceirizados, a saúde dos trabalhadores será afetada ainda mais. A terceirização da atividade-fim também faz parte do desmantelamento dos direitos sociais dos trabalhadores.
Com certeza há muitos outros elementos para debatermos sobre o que está acontecendo com a saúde dos trabalhadores em nosso país. Temos plena convicção de que as políticas desenvolvidas e instituídas até então são insuficientes para garantir ambientes de trabalho saudáveis, livres de acidentes e adoecimentos.
Infelizmente, a tendência é de piora. Convivemos com um entrave político central, que é o controle total da saúde do trabalhador pelo empregador.
Uma possível saída seria resgatar e colocar em prática o lema do Modelo Operário Italiano (MOI), que diz: “A saúde não se vende, nem se delega, se defende”!
*Walcir Previtale é bancário, secretário de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora da Contraf-CUT e representante da CUT no Conselho Nacional de Saúde
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