20/08/2019

Entrevista: Rita Serrano fala sobre importância da Caixa e alerta sobre riscos da privatização


Maria Rita Serrano, representante dos empregados no Conselho de Administração da Caixa 

(Foto: Seeb Catanduva)


O Sindicato dos Bancários de Catanduva e Região recebeu, na manhã desta terça-feira (20), Maria Rita Serrano, eleita para o Conselho de Administração (CA) da Caixa Econômica Federal, representando os empregados.

Acompanhada pelo diretor da Apcef/SP Leonardo Quadros, pelo diretor Antônio Júlio Gonçalves Neto e pelo presidente da entidade, Roberto Carlos Vicentim, a conselheira visitou as agências de Catanduva (SP) para prestar contas do seu mandato no CA e debater temas como a privatização dos ativos do banco público, a problemática da falta de funcionários e a perspectiva para os próximos meses.

Maria Rita Serrano também conversou com o Sindicato, destacando a importância das empresas públicas para o desenvolvimento do país.

Confira abaixo a entrevista concedida por Rita Serrano à imprensa do SEEB Catanduva:

SEEB CATANDUVA: Maria Rita, você tem percorrido nos últimos meses vários estados, visitado unidades da Caixa, levando seu trabalho como conselheira e, debatendo as principais preocupações dos empregados em relação ao banco público. De acordo com o que tem encontrado, qual a situação atual da Caixa?

RITA SERRANO: Nas agências, a realidade é de piora das condições de trabalho. Desde 2014, já deixaram a Caixa 20 mil trabalhadores, a maioria em PDVs e, embora o banco esteja contratando duas mil pessoas, por força inclusive de ação judicial, não será o suficiente para atender a demanda. Estamos falando de 20 mil trabalhadores a menos, ou seja, quem permaneceu está trabalhando três vezes mais que antes. Essa é uma questão grave e os trabalhadores pedem mais contratações.

Além disso, os empregados estão tensos também em decorrência do atendimento do FGTS. Se essas condições de trabalho já estavam complicadas, imagine como ficarão com cerca de 100 milhões de trabalhadores passando pelas agências e obrigando, inclusive por conta desse atendimento, os funcionários a fazerem horas extras, seja durante a semana, seja aos sábados. Por outro lado, é importante destacar que os empregados sempre que foram solicitados responderam, porque eles possuem a consciência do papel da instituição e um respeito muito grande pela população. Estão tensos justamente porque tem que dar conta com boa qualidade desse atendimento, mesmo sabendo que não existem condições para isso nesse momento.

Outra preocupação grande é em relação a esse processo de desmantelamento do banco público. Ele ocorre quando você piora as condições de trabalho, incentivando PDVs sem contratação, e principalmente pela ameaça de privatização de ativos importantes da Caixa que o governo vem preparando. Já foi anunciado que o governo pretende privatizar a área de seguros, a área de cartões, as loterias, a área de fundos administrados... Além disso, existe uma pressão enorme, que ocorre desde quando a Caixa absorveu os recursos do FGTS, para que esses recursos voltem aos bancos privados. É importante destacar que o fundo de garantia até os anos 90 estava espalhado pelas diversas instituições financeiras. Antes, o empregador é quem escolhia em que banco iria depositar o fundo de garantia, que só foi centralizado na Caixa após uma fiscalização do TCU que averiguou que os bancos, na verdade, administravam muito mal esse recurso, deixando muitas vezes de corrigir corretamente. Ele passou a ser centralizado na Caixa justamente para ser organizado e o banco público deu conta do recado. Hoje, o trabalhador consegue fiscalizar se a empresa está depositando o fundo de garantia todo mês e tem informações sobre o saldo de maneira transparente. Estamos falando de R$ 500 bilhões e os bancos privados tem uma ganância grandiosa em absorver esses recursos.

Essa questão da privatização das operações, que é o que o governo pretende, coloca o banco em uma situação de fragilidade, haja vista que a empresa é a maior investidora de políticas públicas de habitação e saneamento, é um banco centenário e sólido, além de estar presente em todo o Brasil. Portanto, enfraquecer a possibilidade de manter essa atuação no desenvolvimento do país é fazer com que a população perca um instrumento importante para investimentos e programas sociais.

Fernando Nogueira, por exemplo, pesquisador da Unicamp, afirma que se o governo fosse montar uma estrutura para promover o mesmo atendimento que oferecido pela Caixa, gastaria nove vezes mais. Ou seja, o banco cumpre um papel fundamental para o governo e para o desenvolvimento do país. E acabar com patrimônio brasileiro significa que o Brasil perde na sua soberania, perde em emprego para o brasileiro.

Por fim, também presto contas do meu mandato no Conselho de Administração, pois fui eleita pelos trabalhadores. Minha atuação como conselheira tem sido muito crítica. Sou contra todo esse desmantelamento e venho registrando isso, porque quero que fique claro a posição que eu defendo, que é a dos movimentos sociais, sindicais, das entidades associativas e, sobretudo, dos trabalhadores da Caixa.

SEEB CATANDUVA: No cenário atual em que o banco se encontra, como você avalia a medida de liberação do FGTS anunciada pelo governo?

RITA SERRANO: Na minha avaliação, trata-se de uma medida populista e paliativa. Nossa economia está estagnada e o governo está há seis meses sem apresentar projeto para o país. Pelo contrário, analistas econômicos avaliam que o Brasil está em recessão técnica, o que é algo bastante grave. Nós estamos com 13 milhões de desempregados e 64% das famílias endividadas. Veja bem, o governo libera R$ 500 do Fundo de Garantia (FGTS), sabendo que a maior parte do endividamento dessas famílias é com os bancos e a maioria tem dívida em torno de R$ 500. O trabalhador vai receber o dinheiro e o recurso voltará para o banco. Houve então, primeiramente, uma demanda dos bancos para que o governo tomasse essa medida para diminuir a inadimplência. Segundo, o trabalhador, mesmo que ele utilizar do saque para consumo será para o consumo imediato, pois trata-se de um valor pequeno. A medida não resolve o problema porque não gera emprego, porque não há nenhuma proposta de crescimento sustentável do país. E isso é o mais grave!

O dinheiro do FGTS é do trabalhador, embora não tenha sido demanda dos trabalhadores - porque foi criado no governo militar para substituir a estabilidade do emprego que os trabalhadores tinham até então -, mas tornou-se o maior fundo privado de investimento público no mundo. A maioria das pessoas, infelizmente, não possui consciência de que o FGTS volta para a população de várias formas, seja como um seguro em caso de desemprego ou doença, seja para comprar casa própria, seja como investimento em moradia, saneamento básico, mobilidade, etc. Esvaziando o dinheiro do fundo, diminuirão também os investimentos. Portanto, o que parece um ganho no primeiro momento, vai se tornar uma perda e o trabalhador, quando mais precisar, já o terá utilizado para pagar contas. 

O Brasil carece de um projeto de desenvolvimento e para isso precisa de empresas públicas. Alguns analistas, inclusive do mundo liberal, já defendem que se não houver empresa pública investindo, o Brasil não sairá da recessão técnica. Enquanto isso, o governo insiste em permanecer caminhando na contramão: privatizando, extinguindo os recursos de educação, saúde, segurança...

SEEB CATANDUVA: Como os trabalhadores, junto ao movimento sindical, podem reagir frente a esse cenário de incertezas?

RITA SERRANO: Primeiro, os trabalhadores têm que reagir! Não é ‘como’, nós precisamos reagir. A cada direito que perdemos há prejuízos não só para os trabalhadores, mas sobretudo para as gerações futuras. Nossos direitos foram conquistados ao longo de anos e perde-los de uma hora para outra é um prejuízo para as gerações que virão. A população precisa tomar consciência do que está acontecendo no país. Feito isso, não nos resta outra alternativa a não ser reagir, valorizar as entidades coletivas, os sindicatos, associações de classe e de pessoal, os movimentos sociais. Temos que cobrar do deputado que votamos, promover ações nas câmaras municipais, como o próprio sindicato de Catanduva está fazendo. Temos que ir para as ruas, para as redes sociais e mostrar o nosso descontentamento.

Eu tenho usado como exemplo nas agências a população de Hong Kong. Na história do mundo oriental são poucas as vezes em que se viu manifestações grandiosas. Entretanto, recentemente, o governo tentou tomar uma medida contra a população e as pessoas saíram às ruas reivindicando condições melhores de vida e manutenção dos direitos, e conseguiram fazer o governo recuar. O mesmo ocorreu na França há pouco tempo. Quando os trabalhadores se organizam, a população consegue avançar e impedir retrocessos. Não temos escolha: as pessoas precisam entender as consequências do que está ocorrendo no país e valorizar as entidades e movimentos para ampliar o processo de resistência. Temos que plantar a semente, mostrar a verdade que está oculta pela grande mídia e, em algum momento, os brasileiros irão reagir e impedir que esse retrocesso continue.
Fonte: Seeb Catanduva

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